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segunda-feira, 14 de julho de 2014

PLÍNIO ARRUDA SAMPAIO: Luto e Petição de Relembrança Histórica como opção política e enquanto diatribe das entristecidas memórias da seleção nacional de futebol

Por Leonardo Lima Ribeiro
Professor substituto do curso de Pedagogia da UVA – Universidade Estadual Vale do Acaraú. Mestre em filosofia pela UECE – Universidade Estadual do Ceará. Currículo: http://lattes.cnpq.br/9792290555216316.

Advinda do câncer ósseo, a morte de Plínio (1930-2014) – que se decorreu no exato momento em que a seleção brasileira estava a perder o jogo de semifinal da Copa do Mundo contra a Alemanha nesta terça-feira (08/07/2014) – deveria ser à hodierna ocasião o único objeto de luto nacional, porquanto ele, Plínio, empenhou-se devidamente em vida na concreta luta contra desigualdades sociais – o que seria um absurdo caso tentássemos estabelecer qualquer homologia estrutural disto com a frívola tentativa de uma péssima seleção brasileira em ganhar seu sexto título mundial de futebol.
DEVEMOS nos demorar algum tempo na reflexão sobre o falecimento de Plínio, observando quais serão as suas implicações relativamente ao investimento nas lutas locais pelas conquistas sociais. Ou melhor, a relembrança crônica da história desse ser humano extraordinário, recém falecido, deve ser uma das pautas através das quais, pelo próprio relembrar (muito mais do que rememorar seu exílio no Chile e nos Estados Unidos ao longo de 12 anos), poderemos dar conscientemente vazão política ao que realmente precisamos, pelo menos em alguns pontos muito precisos, delicados e especiais (democracia direta, educação pública, saúde etc.).
Nesse contexto – à procura de igualdade social, justiça para todos e liberdade individual num contexto factualmente coletivo – não tenhamos medo de nos exprimir: viva ao Plínio e sua memória, e que se foda a seleção brasileira e sua derrota (que está na iminência de enlouquecidamente ser relembrada nos próximos dias enquanto espécie de catarse nacional), uma vez que não será esta última, ou mesmo quem a financia (corporações e partidos políticos que literalmente cagam na autonomia da sociedade civil), que trará melhorias para uma espessura sequer das mazelas mais patentes das quais sofremos na pele. Para agora, imediatamente, é através do luto estrito a Plínio e a revitalização da sua história em memória coletiva que é possível a garantia da consistência de gesto político verdadeiramente expressivo, por meio do qual poderemos ganhar maior força crítico-discursiva, como honesto clamor na investida em favor de um país menos desigual.
Por outro lado, clamo-te povo de pitoresco país: não chores por quem te estupra, ou mesmo pelas expressões nacionais que sustentam o próprio estupro. O “luto” pela seleção nacional é de agora em diante uma patologia, advinda e produzida como grave doença mental dificílima de não se cristalizar como cicatriz na memória coletiva, que poderá ter seus relevos cronicamente reatualizados nos dias que seguem a partir do dia de hoje (08/07/2014), repetidos viralmente enquanto incandescente sintoma de impotência ou trauma superficial, num diálogo sob a mediação da mídia brasileira. Clamo-te de novo povo de pitoresco país: não chores por quem te estupra, haja vista que nós mesmos, potenciais portadores dessa cínica doença, poderemos evoluir na perda da capacidade de observar as condições estruturais miseráveis das e nas quais vivemos, porquanto o sofrimento pela seleção nacional será a própria carícia discursiva nos contornos e arestas que representam inúmeras mazelas sociais das quais agora nos ferimos. 
Lumpém proletário é como poderíamos designar a gentalha de um país, como o diria Marx e Engels em seu Manifesto Comunista de 1848, gentalha a qual defende cegamente ou faz reverberar uma estrutura socioeconômica e cultural que é precondição da produção dos afãs de sua própria miséria. Lutar, empenhar-se da, na e pela própria miséria política e cultural, dissimulando que dessa duplicidade (política e cultural) não se faz parte. Ao longo de anos temos sido capazes de chegar a este ponto, e, agora, o expressamos da pior maneira: [a.] primeiramente sob o atributo da histérica e alegre onda nacionalista nos entornos de uma seleção “nacional” de futebol financiada por corporações internacionais (cf. a Nike, por exemplo, que enriquece com o escravagismo de mulheres e crianças nos diferentes pedaços ressonantes da Terra); [b.] de modo segundo, entristecendo-nos seja a partir da fissura imanente à coluna de Neymar – tal como se tratasse do medo da perda da costela de Adão a ser transposta para determinado corpo feminino que anunciará o prenúncio de nossos deprimentes pecados originais –, seja literalmente pela derrota dos abastados membros da seleção brasileira de futebol – o que acaba de se seguir.
Eis o que somos ao torcermos pela seleção brasileira na alegria [caso a.] e na tristeza [caso b.]: apologetas da escatologia cultural de um modelo econômico brutal o qual por seu lado nos pega por trás desavisadamente, administrando nossos afetos, através dos quais nos tornamos algozes de nós mesmos enquanto sociedade civil. Quantos de nós, agora mesmo, não estamos a ser lumpém proletários, prestando culto acompanhado de umedecidas lágrimas - em silêncio ou no ódio linguístico - à indústria do entretenimento que sofre agora sua “derrota” ao estar encarnada sob a forma de seleção nacional?
"De fato Brasil, vamos muito mal", uma vez que, em maioria popular, iremos chorar em nossos interiores ou centros urbanos pela derrota de um time de futebol como o nacional, ao invés de lamentarmos e reatualizarmos em memória a figura e os projetos de um verdadeiro agente político (Plínio Arruda) que factualmente buscou com integridade lutar, inclusive em ditadura militar, contra as clivagens absurdas que demarcam o fosso abismal dos ricos e pobres nesse país. Denegar neste momento o que representa para o país a morte de Plínio Arruda é estupidez, ou melhor, é o cúmulo, o ápice criminoso de uma vaidosa ignorância que se revela sob a emergência dissonante e majoritária do culto à “identidade nacional”, impregnada pela cultura do futebol travestido de seleção brasileira. Isso, no fundo, significa o mesmo que chorar por quem nos estupra ou, pelo menos, por quem nos impede de sentir de modo mais doloroso o próprio estupro.
Creio que através de um sórdido contexto como esses sugiro enfim que escolhamos nosso lado: a escolha deliberada por uma dentre duas opções de luto como objeto de concreta e consistente relembrança política (Plínio Arruda ou derrota da Seleção Brasileira somada à vertebra fissurada de Neymar). Através dessa escolha, quem sabe, será ao menos possível a aferição do grau de demência no qual estamos a viver, ajudando ou não a reforçar os emblemas da própria miséria da sociedade civil a que pertencemos como sendo, paradoxalmente, seus próprios inimigos. Esse talvez seja um primeiro passo imediato, de acordo com o qual poderemos compreender factualmente quem sustenta ideologicamente os muros ou as barreiras ao redor das quais se revela o impedimento de possibilidades mínimas de emancipação.

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